Mitos e Recomendações para o Aeroporto de Lisboa
Nota prévia

Por iniciativa do OPET – Observatório da Prospetiva Engenharia e Tecnologia - e da APMEP – Associação Portuguesa dos Mercados Públicos – constituiu-se no passado dia 12 de dezembro Think Tank de interessados sobre a problemática relativa ao novo Aeroporto de Lisboa. Para além de incluir na sessão realizada nesse dia especialistas convidados nos diferentes temas relevantes abriu-se a possibilidade de inscrições abertas até ao máximo de 30 participantes. Na sequência deste processo e tendo em conta os contributos recebidos foi possível acordar no documento que agora se apresenta publicamente esperando contribuir para o debate relativo a este tema adiado desde há muito. Este documento é subscrito pelo Grupo Coordenador e por muitos outros colegas, designadamente, António Coutinho, Gonçalo Areia, Gonçalo Marques Mendes, Henrique Neto, João Pessoa e Costa, Marçal António Alves, Orlando Ferreira e Sérgio Palma Brito.

Luís Valadares Tavares
Professor Catedrático Emérito do IST
Professor Catedrático da Universidade Lusíada

Lisboa, 5 de janeiro de 2024


1 | OS 8 MITOS

1º - Embora as previsões da taxa de crescimento anual de tráfego aéreo tenham vindo a reduzir-se ao longo dos anos por motivos bem conhecidos, a taxa de crescimento anual em número de passageiros admitida pela CTI é muito superior à que resultará até 2050 pelo Eurocontrol (0,8%/ ano para o tráfego aéreo, relativamente a Portugal) pelo que o número de passageiros previstos pela CTI para Lisboa em 2050 ultrapassa 80 M/ ano em vez de menos de 45 M / ano obtidos pela previsão do Eurocontrol. A CTI também adota taxas exageradas para prever o tráfego até 2086 o que deve ser exemplo único de capacidade de previsão!     

Infelizmente, estas previsões não têm qualquer realismo pois as metas do Pacto Ecológico, a evolução demográfica e outros fatores bem estudados pelo Eurocontrol justificam que esta organização bem respeitada estime em 0,8% /ano a taxa de crescimento anual do tráfego aéreo para Portugal. Consequentemente, as previsões da CTI quase duplicam tais previsões credíveis.  Quanto a 2086, não se conhece nenhum outro estudo que ouse adotar este horizonte atendendo às incertezas evidentes pelo que a originalidade da CTI é singular a nível internacional.
Mais de 1/3 das nossas auto-estradas não tem tráfego que as justifiquem o que gera pesados custos para todos e tem prejudicado a coesão territorial. Vamos repetir o erro?

2º - Toda a procura de transporte aéreo turístico para Lisboa que venha a existir deve ser aproveitada e contribui para a qualidade do desenvolvimento da Região de Lisboa e do país. 

É senso comum que o crescimento do tráfego turístico deve ser equilibrado com as possibilidades reais da região, e, em especial, da cidade de Lisboa, de modo a preservar a sua identidade cultural, patrimonial e funcional adaptando os fluxos turísticos às capacidade dos seus serviços de modo a evitar a sua descaracterização tal como já acontece em algumas áreas centrais como o Chiado.
As cidades que caíram nesse erro estão a corrigir a situação tal como Amesterdão onde se  pretende, não construir mais pistas, mas sim reduzir o tráfego . Vamos desvalorizar a nossa qualidade de vida e a própria valia turística desvalorizando a própria qualidade do destino Lisboa?

3º - O interesse público é aquele que é definido pela CTI.

Pelo contrário, é essencial colher a opinião dos autarcas eleitos, dos cidadãos e suas associações. Alguém acredita que obterá voto favorável a proposta da CTI de, em 2050, tal tráfego aéreo sobre Lisboa vir a  ser 2,7 vezes o atual?
Porque não se inquere a opinião dos cidadãos afetados?

4º - Qual a valia das análises económicas apresentadas estimando valores atualizados líquidos muito significativos.

É evidente que a sua valia é nula pois baseia-se em receitas majoradas artificialmente.
O acréscimo de investimento que não tiver real utilização irá ser suportado pelos mesmos do costume: os contribuintes.

5º - O objetivo de escolher um local que permita construir futuramente 4 pistas é o dogma central no pensamento da CTI expresso não só no relatório, mas também em múltiplas intervenções.

Lamentavelmente é um objetivo não fundamentado pelo interesse público atendendo às observações anteriores. Mas assim sendo, e sendo evidente que apenas Vendas Novas e Alcochete permitem este objetivo, como justificar um dispêndio tão elevado de recursos públicos e tempo comparando com outras opções?
Será defender o interesse público promover despesa não necessária?
 
6º - O problema dos acessos a Alcochete é um falso problema pois têm de ser realizados de qualquer forma (TGV e Terceira Travessia do Tejo) pelo que o seu custo não é atribuído à opção de Alcochete.

Mesmo admitindo que tal irá acontecer, não será viável tão enorme esforço de financiamento e de execução em simultâneo ao do aeroporto. Ora como não existe tal possibilidade e a sua realização demorará mais de 12 anos,se esperarmos pela sua realização, teríamos o novo aeroporto para lá de 2043!
Mesmo admitindo que tal se concretiza, é lógico admitir que o custo dessas infraestruturas, sendo fundamentais para a exploração da opção de Alcochete, não seja, no mínimo, partilhada ?
Entretanto, e se se for avançando com acessos  deficientes e provisórios, estarão todos os passageiros a serem penalizados com tempos e dificuldades de acesso bem piores, e a Portela em situação crítica com graves prejuízos para todos os que são afetados pelo ruído.
A angariação do investidor privado e de companhias aéreas interessadas neste contexto de acessos deficientes será bem mais difícil e com prémios de risco mais elevados pois a incerteza quanto à futura melhoria dos acessos é ineludível.


7º - Será possível captar investimento privado para a realização do aeroporto com custo público nulo pois o aeroporto “paga-se a si próprio”? 

Mesmo que se ultrapassem dificuldades contratuais e se capte o interesse de investidores, o prémio do risco será muito elevado atendendo à enorme incerteza da realização dos acessos desejáveis, da evolução das tecnologias dos combustíveis e das aeronaves, das tarifas aéreas  e da própria procura a que se  somarão elevadas taxas de juro, pelo que haverá que assegurar garantias do Estado e elevadas compensações sempre que não se atingirem os níveis fantasiosos previstos. Ou seja, vai repetir-se o erro bem conhecido das SCUTS com custos tão elevados para todos os contribuintes, ao longo de décadas?
8º - Só a opção de um único aeroporto “resolve o problema”.

Pelo contrário, as principais cidades têm preferido a solução de mais de um aeroporto, tal como Roma, Milão, Paris, Londres, Washington, etc não encerrando os aerooportos mais centrais, atendendo a vantagens bem conhecidas: especialização de aeroporto por tipologia de tráfego, redução de riscos devidos a causas naturais ou de agressão ( terrorismo, etc), rendibilização de investimentos já feitos, facilidade de execução e de viabilização, diversificação de acessos, etc.
A vantagem de 1 só aeroporto baseia-se no tráfego de passagem o qual só tem benefícios para a companhia residente e se parte significativa do capital da TAP passar a ser propriedade de outra companhia, tal benefício é menos relevante. Convém recordar que a CTI admite tal tráfego corresponder vir a corresponder a 35% sendo esta percentagem muito superior à de outros aeroportos como o de Heathrow. Esta percentagem corresponderá, em 2050,  a cerca de 4 vezes o atual fluxo de passagem segundo as pevisões da CTI pelo que não se vislumbram quais as geografias que permitirão tal crescimento. Ora como a CTI considera que os benefícios de tal tráfego são tão importantes, será que as conclusões deste relatório também pressupõem a não privatização da TAP?

Em suma, não se justifica o desenvolvimento de um Mega Aeroporto para Lisboa nem o encerramento do Aeroporto Humberto Delgado


2 | RECOMENDAÇÕES PROPOSTAS

Os relatórios da CTI permitem evidenciar que a característica singular que fundamenta a escolha de Alcochete consiste em permitir vir a desenvolver um mega-aeroporto com 4 pistas muito vocacionado para ser grande hub intercontinental, aliás em coerência com as numerosas intervenções públicas dos seus elementos mais conhecidos. Ora esta justificação não pode ser aceite pois:

As previsões mais recentes do Eurocontrol apontam para não mais de 45 M/ ano de passageiros em Lisboa em 2050 e não os mais de 80 supostos pela CTI.
O benefício para Portugal do tráfego de passagem que a CTI estima em 35% é valioso para a principal transportadora aérea que dele beneficie, mas se esta for privatizada, tal como consta da RCM mais recente, tal mais valia apenas irá aumentar os lucros dos acionistas estrangeiros.

Atendendo às incertezas quanto à evolução do tráfego aéreo e à não fundamentação das previsões consideradas pela CTI e bem assim quanto às dificuldades relacionadas com os acessos e o financiamento da opção de Alcochete, aconselha-se em alternativa:

1 - Escolher a opção que for mais vantajosa no perímetro da concessão para o cenário das 2 pistas (e não 4) procurando minimizar problemas ambientais e de acesso o qual será sempre mais facilitado se o local for na margem Norte do Tejo. Na verdade, as grandes cidades localizadas junto a estários ou outras áreas aquáticas, situaram  os seus principais aeroportos na margem onde se localiza a maioria da população ( São Francisco, Istambul, etc) e não na margem oposta. Infelizmente a CTI apenas estudou Montijo pelo que não permite esta comparação.

2 - Procurar acordar com a ANA o mais rapidamente possível este desenvolvimento de modo a que o novo aeroporto esteja brevemente operacional permitindo manter o da Portela mas com muito menor tráfego e medidas adicionais de qualidade de funcionamento e de redução dos impactos negativos na cidade de Lisboa e nos seus habitantes.

3 - Considerar que a opção de Santarém, a qual se situa fora do limite da concessão, tem natureza distinta pois resulta de iniciativa de uma autarquia e de grupo de investimento privado pelo que não deve ser obstaculizada, devendo o Estado garantir todas as exigências de qualidade e segurança e bem assim negociar da melhor forma os desejáveis reforços nos meios de acesso.

O Grupo Coordenador do Think Tank
Professor Luís Valadares Tavares
Professor Fernando Nunes da Silva
Professor José Antunes Ferreira


Lisboa, 5 de janeiro de 2024